Eu pergunto-me acerca dos limites da liberdade, para descobrir que mesmo uma mulher negra, despretensiosa, num contexto tão duro a pode descobrir na simples condição humana.
A minha obra é uma narrativa, cada quadro conta uma ou mais histórias, inspiradas pela literatura, pelo cinema ou por uma simples conversa numa mesa de café. O processo criativo que me impele procura desvendar o fundamental: conhecer algum sentido da vida, experimentar o ingénuo e fundar-me no ancestral deleite humano de contar histórias. Reconheço nas personagens que pinto um pouco da minha própria história, que enredo com as vivências de outras mulheres (reais ou fictícias), procurando descrever momentos e ocorrências da vida dessa mulher comum. Ao observador, quero despertar a curiosidade natural de tentar conhecê-la também e identificar a existência, real ou imaginária, dos contos que eu crio.
O quadro, “Amarelinha”, conta-nos de uma rapariguinha genuína e sincera, que se encerra numa vida repleta de significados, contrastes, sonhos, vontades e histórias da sua e de outras famílias, procurando um recanto de paz, livre de opressões. Ondjaki, autor de “Os transparentes”, o livro que motiva a minha obra, apresenta uma família angolana simples que vive no centro de Luanda e que partilha com outras pessoas (amigos, vizinhos e outras gentes humildes e anónimas que por ali passam) as suas forças, os seus desejos, as suas fantasias e até os momentos mais dolorosos de quem se debate diariamente com os desafios que trazem a complexidade humana, a cultura africana e as histórias de vida assentes em memórias de guerra, de desigualdades e de uma urbanização crescentemente instituída em injustiças e crueldades.
Num mundo bruto, Amarelinha encontra-se na liberdade de um sorriso perante a mais simples das coisas: “Amarelinha tinha os mesmos gestos precisos e delicados como se fosse neta de sangue da Avó Kunjikise, e estas mesmas mãos, à tarde, ocupavam-se de fios e missangas para inventar colares, anéis e pulseiras à medida das meninas que inventavam motivos para os comprar.”